Em artigo publicado na revista Pest Management Science, pesquisadores brasileiros descreveram o desenvolvimento de uma molécula capaz de inibir o avanço da vassoura-de-bruxa – principal praga da produção cacaueira no Brasil.
A pesquisa foi realizada durante o doutorado de Mario Ramos de Oliveira Barsottini, com apoio da Fapesp e orientação do professor Gonçalo Pereira, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp).

Participaram da investigação cientistas do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e da Universidade de Warwick, do Reino Unido.

Causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa, a vassoura-de-bruxa tem esse nome porque deixa os ramos do cacaueiro secos como uma vassoura velha. As áreas afetadas não conseguem realizar fotossíntese e, para piorar, liberam substâncias tóxicas que diminuem a produção de frutos. Os poucos frutos produzidos se tornam inviáveis para a fabricação de chocolate. A doença vem causando prejuízos aos produtores de cacau no Brasil desde 1989.

“Os fungicidas mais usados atacam geralmente a respiração ou a estabilidade da membrana celular do fungo. Os do primeiro grupo não funcionam contra a vassoura-de-bruxa. Já os que atacam a membrana celular funcionam em laboratório, mas não no campo, de acordo com os produtores”, disse Barsottini, primeiro autor do artigo.
O alvo das novas moléculas estudadas pelo grupo de Pereira é a enzima oxidase alternativa (AOX). Os pesquisadores descreveram seu papel na sobrevivência do fungo em artigo publicado na revista New Phytologist em 2012.

“A AOX confere à vassoura-de-bruxa resistência a fungicidas na primeira fase da infecção [fase biotrófica, em que o fungo ainda se alimenta de tecido vivo]”, contou Barsottini. “Nossa hipótese era de que, inibindo essa via, a gente conseguiria matar o fungo. Mas achar uma molécula capaz de inativar a AOX é como montar um quebra-cabeça sem saber direito o formato das peças”, disse.

O trabalho de 2012 mostrou que, na fase inicial da infecção, a planta de cacau tenta deter a ação do invasor liberando grandes quantidades de óxido nítrico (NO), substância capaz de bloquear a cadeia respiratória do fungo. Mas a vassoura-de-bruxa aciona um mecanismo alternativo de respiração, comandado pela AOX, que lhe permite resistir a esse ataque. Essa proteína lhe permite gerar uma quantidade mínima de energia e garante sua sobrevivência.
Ironicamente, o próprio cacaueiro acaba sofrendo os efeitos tóxicos do NO. Os galhos infectados morrem e viram banquete para a M. perniciosa em uma segunda fase do ciclo de vida conhecida como necrotrófica (em que se alimenta do tecido morto).

“Observamos que, quando a respiração principal é bloqueada pela azoxistrobina [um dos fungicidas testados sem sucesso no combate à doença], uma via alternativa da respiração mantém o fungo na fase biotrófica. Mas, quando combinamos essa droga com um inibidor da oxidase alternativa, o fungo cessa completamente seu crescimento”, explicou Pereira, na época, à Agência Fapesp.

Essa via alternativa de respiração não é exclusiva da vassoura-de-bruxa. O parasita humano Trypanosoma brucei, causador da doença do sono e transmitido pela mosca tsé-tsé, também faz uso dessa artimanha.
“Fármacos usados para o controle da doença humana, como o ácido salicilhidroxâmico e galato de n-propila, são instáveis e pouco permeáveis às membranas do fungo”, disse Silvana Rocco, pesquisadora do CNPEM que participou do estudo.

Rocco desenvolveu novas moléculas a partir de derivados de N-fenilbenzamidas (NPD), uma droga mais fácil de sintetizar e alterar quimicamente. No artigo, Barsottini e colegas testaram 74 dessas moléculas e encontraram uma delas capaz de inibir a via alternativa da respiração e o crescimento do fungo modelo, Pichia pastoris. A molécula nomeada NPD 7j-41 também foi eficiente contra a vassoura-de-bruxa; evitou a germinação dos esporos e o aparecimento dos sintomas em plantas infectadas de tomate, nos ensaios realizados em laboratório.

“A NPD 7j-41 nos ajudou a entender quais partes da molécula são mais importantes para estabilidade, permeabilidade na membrana e interação para inibição da AOX. Alterando sua estrutura, nós podemos desenvolver um químico eficaz para matar o fungo, sem causar danos à planta ou ao meio ambiente”, disse Rocco. “Além das barreiras impostas pela célula do fungo, a nova molécula tem de vencer outros desafios até chegarmos a um fármaco com produção em escala industrial.”

“A classe das ascofuranonas usada no combate ao T. brucei é promissora, mas difícil de sintetizar. Esses compostos são mil vezes mais potentes que nossos derivados da NPD”, relata Barsottini. “Nós pretendemos usar esse conhecimento adquirido e partir para compostos mais potentes. Queremos trazer o conhecimento da área médica para a agricultura”, disse.

O fungo vassoura-de-bruxa chegou à Bahia em 1989, quando a produção de cacau brasileira estava no auge. Plantas deformadas com folhas secas e frutos enegrecidos, sem boas amêndoas, prejudicaram a região cacaueira. Fatores climáticos, estruturais e conjunturais da cadeia produtiva ajudaram na disseminação da doença, que levou ao abandono de fazendas, êxodo rural e miséria.

Hoje, plantas tolerantes e manejo adequado da cultura permitem a convivência entre praga e atividade produtiva. Mesmo assim, a produção vem caindo: de 390 mil toneladas na década de 1980 para 83,9 mil toneladas de amêndoas em 2017.

Muitos especialistas já preveem o colapso na produção mundial de chocolate, caso a doença se espalhe para outras regiões produtoras na África e Ásia. Há ainda outra ameaça, a introdução do fungo patogênico aparentado, a Moniliophthora roreri, capaz de causar estragos ainda maiores. Sem agroquímicos eficientes disponíveis para o seu controle, a vassoura-de-bruxa permanece o maior desafio da cacauicultura nacional.

O estudo de Barsottini e colegas é o primeiro passo para o desenvolvimento de um fungicida capaz de garantir a viabilidade dos produtores de cacau e manutenção de economias locais e dos serviços ambientais do cultivo “cabruca” (método que propõe a substituição de estratos florestais por uma cultura de interesse econômico no sub-bosque de forma descontínua e circundada por vegetação natural), feito na sombra da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica.

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*Com informações de Camila P. Cunha, do Jornal da Unicamp.