Fraude em cotas do curso de Medicina da UFSB é investigada
A suspeita veio logo que saiu a lista de aprovados para o curso de Medicina. Na época, dezembro do ano passado, o estudante de Direito Moises Sant’Ana, 27 anos, estranhou o perfil de parte dos chamados para cursar a primeira turma dessa graduação na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), que tem campi em Porto Seguro, Teixeira de Freitas e Itabuna.
Na instituição, os cursos são divididos entre primeiro e segundo ciclos – Bacharelados (BIs) e Licenciaturas Interdisciplinares (LIs) seriam do primeiro, e cursos tradicionais, chamados lá de ‘profissionalizantes’ (como Medicina, Direito e Engenharias), do segundo ciclo. Para chegar aos profissionalizantes, obrigatoriamente, os estudantes precisariam ter passado pelo primeiro ciclo.
E foi nessa transição de um ciclo para o outro que Moises percebeu algo estranho: ele suspeitou que tinha gente que não deveria estar ali. Ao ver os nomes, acreditou que gente que não é negra estaria ocupando espaço reservado aos alunos que são. Era o início de uma denúncia de fraude nas cotas que chegou a envolver até o alto escalão administrativo da universidade e um processo por danos morais em R$ 10 mil.
“Notei, pelo nome, que tinha pessoas que não se encaixavam nem em cotas sociais, nem raciais. Durante a discussão sobre a radicalização do sistema de cotas, a maioria dessas pessoas se colocou contrária à política”, diz Moises, que, antes de estudar Direito na UFSB, se formou na licenciatura em Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias na mesma instituição e é professor da rede estadual de educação.
Membro da comissão de políticas afirmativas da UFSB, ele participou dos debates e do processo de implementação das cotas para os cursos do segundo ciclo. Em setembro do ano passado, a UFSB aprovou uma resolução que faria com que se tornasse a instituição com o maior percentual de estudantes cotistas do estado. De acordo com uma decisão do Conselho Superior Universitário (Consuni), a partir do ano letivo de 2018, a universidade passaria a reservar 75% de suas vagas para cotistas.
“Porém, a universidade aprovou essa porcentagem, mas aplicou apenas 62% na entrada. Segundo eles, a gente deveria ter pensado nisso na primeira entrada, no Sisu, e não no segundo ciclo, e que eles iam fazer as cotas pelo perfil de egressos. Mas, quando saiu a lista dos aprovados de Medicina, não tinha nem 62% de alunos cotistas”.
Ao final, em janeiro, ele conseguiu detectar 15 pessoas que teriam entrado pelas cotas para negros mas que não teriam perfil para a reserva de vagas. A fraude estaria em duas categorias: candidatos negros e indígenas com renda per capita menor que 1,5 salário mínimo e candidatos negros e indígenas independente da renda. No Brasil, a lei de cotas leva em conta o mesmo critério que o IBGE para considerar que alguém é negro – se a pessoa se autodeclarou preta ou parda.
Na ocasião, dezenas de estudantes comentaram a publicação. “Que absurdo! É nítido que são afroconvenientes. Muito triste isso”, escreveu uma jovem. “Qual é a sua cor? Qual é a sua raça? E a cor do sangue… (sic). O jeitinho brasileiro define”, publicou outro.
A partir daí, segundo Moises, a Ouvidoria da UFSB teria recebido 116 denúncias sobre o caso – a instituição confirmou que recebeu a denúncia, mas não informou quantos estudantes teriam apresentado a queixa. Além disso, denúncias foram apresentadas ao Ministério Público Federal (MPF) e à Secretaria da Promoção da Igualdade Racial do Estado (Sepromi). “São pessoas que nunca se entenderam negras, mas se autodeclararam negras”, justifica o estudante.
Entre os 15 alunos do curso de Medicina que foram alvos da denúncia está a estudante Andreia Fernandes. A situação dela poderia ser como de qualquer um dos outros, mas ganhou destaque entre as postagens porque Andreia é casada com o pró-reitor de Tecnologia da Informação e Comunicação da UFSB, o professor Kennedy Fernandes.
Durante o processo seletivo, Andreia se declarou parda – como o critério para ter acesso à reserva de vagas é a autodeclaração, isso a qualificou para entrar no curso através das cotas. Após a publicação no grupo, o pró-reitor e a esposa decidiram mover um processo contra Moises por danos morais no valor de R$ 10 mil.
No processo, ao qual o Correio teve acesso, os advogados do casal afirmam que a estudante se considera de cor parda e “é de origem humilde e sempre estudou em estabelecimentos públicos. Assim, concorreu, licitamente, em ambas as cotas, vindo a ser selecionada, desde a primeira etapa do curso, nas vagas reservadas”, afirmam os advogados.
Os defensores ainda dizem que a menção de que a estudante teria fraudado o sistema de cotas e se aproveitado do fato de ser esposa do pró-reitor seria “falaciosa, mentirosa, causou constrangimento sem medida aos Requerentes, que são pessoas de índole e reputação ilibadas, que sempre pautaram sua conduta na ética e moral”, escrevem, requerendo, através de liminar, que Moises exclua imediatamente a postagem veiculada no Facebook.
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Fonte: Pimenta na Muqueca