Ao ler o artigo da Jornalista Camila Souza Ramos no Valor Econômico – Agronegócios, de 22/10/ 2018, discorrendo sobre a possível saída do Brasil do “Acordo de Paris” (“COP 21” de 12/12/ 2015) pela declaração do presidenciável Bolsonaro, deixa a todos do cacau estupefatos, face ao seu completo desconhecimento do setor, pois não só prejudicará a cadeia produtiva do cacau no Brasil como tantas outras e me faz lembrar sempre da falta de razoabilidade que alguns temas, como esse da cacauicultura, são tratados.

O Brasil deixar de ser signatário do “Acordo de Paris” é de um absurdo incalculável para as questões socioambientais e econômicas para o sul baiano. Mais um, dos muitos motivos para não se levar a sério o “capitão do mato” e dialogar mais e mais pelos os votos em Haddad.

Retornando à cacauicultura, há algumas questões que são sempre tratadas de maneira rasa, quando trazem o cacau ao patamar de outros cultivos agrícola “extensivos”. O agroecossistema “cacau cabruca”, através da Conservação Produtiva (nesse caso apenas como método) já é atual e moderno desde o seu nascedouro, pela forma como se deu a antropização da Mata Atlântica originária, a cabruca conseguiu harmonizar; produção agrícola, conservação ambiental e inclusão socioprodutiva.

Trouxe riquezas para o Estado, ajudou a construir muito do que hoje conhecemos como Estado Bahia e preservou, e preserva, mais de 600 mil hectares de Mata Atlântica por mais de 270 anos. No ano de 2015 (dado publicados pela Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural – SOBER) apenas o esmagamento da amêndoa seca (apesar de fruta, na cacauicultura comercializa-se a amêndoa seca) gerou R$ 296 milhões em impostos diretos para o Estado, não tendo sido no entanto, um bom ano de produção.

Portanto, mesmo não estando na região que “gera impactos positivos na balança comercial”, a cacauicultura é uma rede produtiva que pode passar na sua totalidade (da roça ao consumo final) dos US$ 27 bilhões no Brasil (o agricultor se apropria de apenas 3%/5%). Ao pensarmos a cacauicultura apenas ou “muito principalmente”, sob o ponto de vista da produtividade, diminuímos a sua importância agro-sócio-ambiental.

Não existia Código Florestal quando os “contratistas” abriram as primeiras cabrucas, não existiam DRONES, GPS, Universidades, Escolas Técnicas, Centro de Pesquisas. Mas, a harmonia foi tão grande que, com toda a tecnologia que temos hoje, acredito eu, não consigamos fazer de forma tão perfeita uma nova cacauicultura [cabruca].

Entre 2014 e 2015, percorremos toda a região cacaueira baiana, para chegarmos a um Programa para o agroecossistema cacau que fosse participativo, realista e com entregas e “produtos” definidos para a dinamização da rede produtiva do cacau: recuperar 200 mil hectares de cacau em cabruca e implantar 200 mil hectares em Sistemas Agroflorestais Cabruca, gerar 120 mil empregos diretos e indiretos, restaurar 50 mil hectares de APP, plantar 33 milhões de mudas de essências florestais (principalmente as ameaçadas de extinção, ou sob forte pressão antrópica), e 86 milhões de mudas de cacau. O Governo da Bahia compreendeu a importância do Programa e realizou em 2017 o Fórum Bahia 2035 com o tema cacau, reunindo toda a rede produtiva.

Na estruturação do fluxo de caixa descontado (FCD) do Programa (o fluxo de caixa publicado em artigo científico) no pior cenário financeiro e econômico, para cada R$ 1,00 investidos no programa, ele gera R$ 3,87 de retorno direto por ano. O valor total necessário para ser investido ao longo dos 08 primeiros anos é de R$ 786 milhões, sendo R$ 521 milhões em crédito para o fomento. Os R$ 264 milhões são para o custeio, divididos, numa média, de R$ 33 milhões por ano (pouco para todos os impactos positivos gerados). Esses R$ 264 milhões ainda pode assustar alguns miúdos de pensamentos e projetos. A quem construiu não assusta: apenas um edital lançado em 09 de agosto de 2017 (Edital BNDES 001/2017) injetou no Bioma Amazônico R$ 150 milhões para serem executados em 24 meses com projetos financiados entre R$ 10 e 30 milhões por instituição (isso mesmo) para recuperar 3.000 hectares desse importante bioma amazônico (no Programa para o cacau cabruca são R$ 264 milhões para 08 anos).

Outro número para gerarmos apenas um contraponto, ou uma ordem de grandeza, o Estado novo, criado pela força do agronegócio, o “MATOPIBA”, gerou R$ 3,9 bilhões de prejuízo, matéria do caderno de economia do Estadão (imaginem quanto não fora o investimento em crédito já que, com todo esse prejuízo, os produtores de lá não “quebraram”).

Assim, para além de todo o esforço feito pelo governo do Estado da Bahia, será preciso uma grande força do novo Governo Federal e a necessidade de um Governo que apoie a COP 21, pense num projeto de sociedade de médio e longo prazo para elevar a área plantada, ajudar nos compromissos climáticos, mas, principalmente, ajudar a salvar e incluir vidas, a fortalecer a cultura, a respeitar as tradições, a gerar divisas e a produzir mais e mais vidas. Aí, só Haddad!

Lanns Alves de Almeida Filho

Engenheiro agrônomo