“Baita fez uma força pra frente com o tronco e levantou-se da cadeira já em direção à prateleira do bar que fica à direita de onde estava sentado para pegar uma garrafa, e com ela na mão, serviu duas doses de cachaças em dois copos grandes e colocou os copos em frente a cada um deles.”

Ainda acredito na forma da distribuição de riquezas, serviços e ações públicas que atualmente ficam sob a tutela da união, sem que essas ações sejam transferidas para os municípios dando-lhes maior poder de investimento e fiscalização, e que em muito contribuiria para a mudança radical de comportamentos no cenário político, econômico e social da nação.
Em uma pequena cidade do interior da Bahia existiam dois ladrões de galinhas, Memeu e Rui das galinhas. Esses dois personagens tinham modos de operação no ato de furtar, roubar e sem assaltar, totalmente diferenciadas e cada um deles atuava em sua especialidade criminosa de forma distinta e sui generis. Rui gostava de roubar as galinhas nas roças vizinhas e Memeu fazia as suas operações especiais nos quintais das casas que tinham poleiros em qualquer cidade próximos aos lugares em que tomava como moradia.
Certa feita, os dois se encontraram por acaso no balcão do bar de Paulinho, pediram o mesmo tipo de bebida e, a cachacinha foi a escolhida naquele momento de solidão entre dois criminosos que estavam próximos no mesmo balcão. Porém, distantes um do outro.
Enquanto tomavam a aguardente branquinha servida pelo gentil dono do bar, eles se olhavam com um misto de ódio e desprezo, a ponto de alguns dos presentes canalizarem as suas atenções para o balcão, já imaginando que dali a qualquer momento poderia sair um espetáculo ou possível confronto físico.
Os olhares de ambos continuavam acompanhando do silêncio, criando um abismo sem tamanho naquele bar que a música de Nelson Gonçalves tomava todo ambiente.
Fora do balcão as conversas fluíam normalmente entre os convivas e frequentadores assíduos de um dos bares mais famosos da cidade. Mas, o volume alcoólico de Memeu e Rui começou a aflorar e quase na sexta ou sétima dose de cachaça na cabeça de cada um deles, por iniciativa de Rui que era o mais calado, se aproximaram e esboçaram um gesto de paz ao se cumprimentar.
– Rui das galinhas bom dia.
– Rui das galinhas não. Me respeite porque o meu nome é Rui. Mas, aqui todo mundo sabe que o safado que gosta de galinha dos outros é você Memeu.
– Calma meu velho! Estou apenas tentando ser amigável com você.
Disse Memeu procurando acalmar o seu colega.
– Calma o que rapaz? Você já vem com piadinhas filhas da puta comigo Memeu. Agora, você que é um ladrão de galinhas descarado, tenta o tempo todo me desqualificar, quando não tenta me derrubar.
– Baseado em que você está dizendo isso, Rui?
– Você está entrando em meu território e isso eu não admito.
Disse Rui baixinho ao ouvido de Memeu com a voz já arrastada pelo volume de cachaças tomadas, de uma maneira que as pessoas que estavam atentas à conversa não pudessem ouvir.
O bar estava lotado de malandros e resenhistas, que após o futebol iam tomar umas escumosas (cervejas) bem geladas, também aproveitar para saber de novas resenhas da cidade, ao encontrar com Rui e Memeu no balcão de um bar era diversão certa e se deleitar com o bate-boca entre os dois era só para confirmar os espetaculares e mais famosos ladrões de galinhas que eram.
Sentado na cadeira por dentro do balcão Paulinho ouvia atentamente as conversas dos dois concorrentes no que se refere à apropriação das galinhas e outras aves alheias.
Querendo por fogo na conversa, Baita fez uma força pra frente com o tronco e levantou-se da cadeira já em direção à prateleira do bar que fica à direita de onde estava sentado para pegar uma garrafa, e com ela na mão, serviu duas doses de cachaças em dois copos grandes e colocou os copos em frente a cada um deles.
– Cortesia da casa. Não é muito, mas serve para molhar as serpentinas e acalmar a garganta enquanto vocês conversam.
Rui olhou para a cara de Baita como se estivesse questionando o presente servido, balançou a cabeça para cima e baixo num gesto de aceitação.
– Obrigado amigo.
Disseram em uníssono Rui e Memeu.
Rui era magro, moreno, cabelos negros encaracolados, tendo como principal característica o longo cavanhaque que enfeitava o rosto magro, com seus sessenta quilos montados em um metro e setenta de altura, vestia uma calça jeans e uma camisa social branca, enquanto Memeu que estava de bermuda taquitel bege, com uma camiseta de surf e sandálias havaianas, era de cor negra, pesava uns noventa quilos e muito mais forte fisicamente. O negão exibia um metro e noventa de altura que o seu pescoço delineava a sua figura sobressaindo amplamente além dos ombros, dando certa proporcionalidade a sua estatura e a musculatura de atleta conseguida na prática de atividades físicas, incluindo o futebol.
Os dois beberam mais uma dose de cachaça oferecida por Paulinha e retomaram a conversa.
– Eu tô sabendo Memeu da existência de um policial que você puxa o saco dele, tentando desviar a atenção do policial para os seus malfeitos. Inclusive, quando o encontra pelas ruas vai logo batendo continência e o chama de Tenente. Você enche o homem de elogios para que ele não perceba os seus roubos.
– Nada disso meu rapaz. Trato o soldado Pafúncio com cordialidade, respeito e gentileza. Esse refinamento, um ladrão de galinhas como você não tem.
– O soldado Pafúncio sabe que as galinhas que você deu para ele de presente na semana passada eram roubadas?
– Que conversa é essa Rui? Quem tem o oficio de roubar no nome é você. Não me venha por em meu nome coisas que eu não faço.
– Tu és cínico Memeu, e tem queixo de cimento. Para que tu confesses alguma coisa nessa vida só debaixo de pauladas.
– Quem é você para me desafiar? Quer sair na mão agora? Vagabundo, ladrãozinho, guardador das portas dos galinheiros alheios.
A conversa começou a se tornar mais ríspida, e quem estava no interior do bar dava risadas a vontade com a conversa dos dois personagens.
Com o intuito de não deixar o conflito sair do plano da discussão verbal, Paulinho ainda sorrindo, separou os dois colocando-os em mesas diferentes a fim de acabar a discussão.
Todos voltaram a beber esquecendo momentaneamente do fuzuê provocado por aqueles contendores e poucos minutos após a separação feita por Paulinho, Rui das galinhas pediu desculpas e saiu cambaleando embriagado em direção a sua casa e Memeu ficou em conversas com os presentes ainda reclamando das acusações do colega sobre a sua especialidade em roubar galinhas.
Passados anos, os dois voltaram a se encontrar como vereadores eleitos para Câmara da cidade. Ao se avistarem, fizeram um cumprimento de longe, quando ficaram próximos foram diplomáticos já que se transformaram em autoridade políticas e aos apertos de mãos aconteceram se auto congratulando face ao sucesso dos dois nas eleições, quando Memeu quebrou o silêncio.
– Parabéns a Vossa excelência pela sua eleição. Temos muito que contribuir com o desenvolvimento da nossa cidade.
– Penso a mesma coisa nobre Vereador Rui. Vamos mudar os destinos desta cidade, inclusive na área de segurança.
Ao findar os cumprimentos os dois edis permaneceram ali posicionados para atender autoridades e o povo que participava da cerimônia de posse, quando o soldado Pafúncio que agora já era Cabo se aproximou dos eméritos representantes do povo e bateu continência.
– Senhores vereadores é um prazer está dividindo esse templo da democracia com os dois mais ilibados e honrados parlamentares desta cidade.
– Muito obrigado Tenente Pafúncio.
Disse Memeu.
Rui ficou meio desconcertado, pela forma com a qual Memeu tratou o cabo, confirmando ser essa a fórmula usada por seu colega para conseguir aglutinar pessoas interessantes e com poder em torno dele. Sem dar nenhuma importância sobre a mentira e, o engodo ser parte do rito nas relações dos políticos, não entrou na dança.
– Obrigado Cabo, estou a sua disposição.
Falou Rui ainda meio engasgado com a malandragem do colega.
O município estava votando o pedido de autorização para privatizar o sistema de água da cidade, e os dois estavam em trincheiras diferentes. Memeu a favor da privatização, porque alguém prometera boa recompensa financeira, e Rui apoiando o governo em troca de emendas parlamentares para os distritos que votariam em favor deles.
Os debates estavam acalorados no plenário da câmara, quando Rui gritou:
– É vagabundagem, é vagabundagem, é vagabundagem ficar contra os interesses da população privatizando a água. O povo tem que ter direito ao bem mais precioso que a natureza nos entrega.
– Uma parte vereador Rui. Pediu Memeu.
– Concedo aparte ao ilustre vereador.
– Eu estou sabendo, que o vereador Rui que faz esse discurso bonito, somente porque vai receber dinheiro da viúva (prefeitura).
– Vossa excelência me respeite.
Continuava Rui e:
– Vossa excelência é que está recebendo propina da companhia de águas para votar em favor da privataria. Vossa excelência é desonesto.
– Desonesto é a Vossa Excelência, que inclusive é ladrão de galinhas. Entretanto, depois que virou vereador o seu sobrenome de das galinhas sumiu, foi trocado para vereador. Vossa excelência é bandido.
– Ladrão de galinhas é a Vossa excelência Memeu, você além de roubar galinhas, ainda distribuía o roubo com a polícia que não sabia a origem dos seus presentes.
– Ladrão é vossa excelência (…) disse Rui apontando para Memeu e a porrada comeu dentro da Câmara de vereadores. A turma do deixa disso entrou pelo meio e pouco se sabe o que aconteceu após as declarações de ambos os lados e se houve vencedor no projeto de privatização.
Quanto aos presentes no debate, esses começaram uma risadaria sem fim, a ponto de o Presidente pedir o encerramento da sessão.
Corroborando com as pérolas que vemos diuturnamente na política brasileira, outros dois políticos de peso no cenário nacional, quase chegaram às vias de fatos por abordar em seção aberta, em uma das comissões do Senado brasileiro algo bem próximo de Rui e Memeu.
O que seria uma reunião sobre mudanças climáticas, seguido de uma ampla discussão sobre energia limpa, transformou-se em um encontro de força, troca de insultos e mostra de valentia entre ambos.
O Ministro entrincheirado na bancada de direção da comissão, o senador sentado logo em frente à mesa da mini plenária criticava abertamente a falta de respostas claras do Ministro.
– Me parece que Sua Senhoria está cansado ou não quer responder os meus questionamentos.
Disse o Senador.
– Vossa excelência pode perguntar o que desejar que terei o maior prazer em responder.
Disse o Ministro.
Mas, como o clima político entre situação e oposição não andava as maravilhas no Congresso Nacional, críticas ácidas da oposição, defesas sem nexos e amareladas do governo, geraram certo desconforto quando o Senador empunhou a bandeira da honestidade e da moralidade.
Andando devagar por se encontrar em ampla desvantagem, o ministro tentava se defender à sombra de outra bandeira desgastada pela corrupção, crimes, defraudações, mentiras e empobrecimento do país, e tentou empurrar pela garganta dos parlamentares presentes, com certa áurea de decência para o partido governista o qual estava defendendo, esquecendo-se que o governo do qual faz parte transformara o país em um balcão de negócios espúrios visando um projeto criminoso de poder.
A cabeleira branca do Senador balançava ao mesmo tempo em que se deslocava aos berros entre as mesas e cadeiras da comissão para chegar mais próximo ao Ministro de estado gritando:
– Vossa senhoria é bandido.
Enquanto o ministro acuado respondia com toda veemência:
– Bandido é Vossa Excelência.
Balançando o dedo em riste e apontando para o combalido ministro que tentava reagir, o senador continuava gritando, ao mesmo tempo em que fora contido pela a turma do deixa disso:
– Vossa senhoria é um bandido
– Vossa excelência é desonesto (…)
Era um Deja vu do que acontece na ampla maioria dos municípios brasileiros, onde a corrupção e a desonestidade são passaportes para a ascensão política em todas as esferas.
Nesse meio, os primeiros passos começam com ladrões de galinhas, que depois de eleitos viram vereadores aprendendo a cometer deslizes maiores e, logo são eleitos a cargos maiores, direcionando a sua fome de poder para desviar recursos da: Saúde, educação, políticas sociais, cultura, previdência, sem falar nos patrocínios aos roubos de cargas, tráfico de drogas e muitos outros.
Desastradamente, vemos e ouvimos no Congresso Nacional: – Vossa excelência é ladrão, Vossa Excelência é bandido, canalha é vossa excelência, vossa excelência é homossexual. – Sou sim. Mas, sou assumido.
Sempre preocupados com o dia seguinte, os cidadãos honrados desse país, tenta se adaptar ao som desse bolero e observar o nosso Brasil ficar cada vez mais pobre intelectualmente, em seus bens e associando a sua tristeza por falta de uma representação decente nas instituições públicas da nação.
Se olharmos de uma forma crítica, para melhorar esse país primeiro devemos intervir nos partidos, em seguida mudar o foco de gestão colocando-a sob a égide dos mesmos, através deles agregar para a vida pública novos paradigmas visando mudar as políticas públicas. Para tanto, é imperativo adicionar aos currículos escolares matérias de interesse geral e outras ações que somadas darão o norte necessário para que o brasileiro possa escolher melhor, e criar novos caminhos para Brasil melhor.